quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Tralha Intelectual: O Cachorro

Hoje, quatro de outubro é dia dos animais e para comemorarmos esta data nada melhor do que um texto sobre um cachorro e um amor, não é mesmo?!
Bora conferir então!


Como é que ela poderia saber?
Não soube no primeiro beijo, nem no segundo.
Teve uma leve desconfiança quando dormiram juntos e tudo se encaixou tão bem.
Provou uma quase certeza quando ele adivinhou sua banda preferida e trouxe um vinil de presente, assim, sem motivo nenhum.
Mas saber pra valer, ela ainda não sabia.
Quando ele pegou sua mão dentro do cinema, ela se sentiu desconfortável.
Quando, em público, ele andava de mãos desdadas,  ela se sentia vulnerável.
Parecia que não era não.
Gostava do modo como ele tratava os garçons e os porteiros. Sempre com tanta educação.
Não gostava do jeito que ele dirigia, afoito e imprudente. Sempre com tanta pressa.
Todas as vezes que ele oferecia o que estava comendo pra que ela provasse, sem fazer aviãozinho, então achava que até poderia ser.
Todas as vezes que ele concordava em dividir a conta, sem nenhuma hesitação, então achava que não poderia ser de jeito nenhum.
Ele ganhava mais, mas ela era mais gentil.
Ela sabia tudo de História, mas ele entendia de Literatura como ninguém.
Gostava do cheiro dele, mas não do cheiro do cigarro que ele fumava.
Gostava do jeito que se vestia, mas não do jeito que apertava os olhos quando ela dizia algo com que ele não concordava.
Como é que se sabe, afinal?
Uma noite, deitados juntos, cada um com um livro, ela parou por alguns segundos. Colocou o seu no peito, olhou para o teto e suspirou alto, querendo chamar atenção pra não sei que. Ele se fez de rogado. Ela, então, olhou para o lado e prestou atenção em cada parte do seu rosto pequeno, especialmente nos cílios longos. E sentiu uma ternura imensa, que fez acreditar que sim, estava no lugar certo.
Será que era isso mesmo?
O amor vinha quase à boca tantas vezes, mas não saía.
Já tinha amado antes, mais de uma vez. E havia sido um desastre.
Dessa, queria ter certeza.
E ela não tinha.
Dizem que quando é, a gente sabe.
Mas os meses passavam, e ela não sabia.
Um dia, seu cachorro ficou doente e precisou ser operado às pressas.
Ele não gostava do cachorro. Não deixava que subisse na cama. Nunca fazia companhia quando ela o levava pra passear. Nunca fazia nada além de sorrir, muito a contragosto, quando o cachorro tentava, de todas as maneiras, ganhar sua afeição.
Agora, o cachorro estava lá, na sala de cirurgia, entre a vida e a morte. E ela o odiava como nunca.
Disso, tinha certeza.
Então ele ligou, por acaso. Pra contar qualquer coisa sobre uma notícia que leu na internet.
Ela caiu em prantos.
Em menos de vinte minutos, ele cruzou a Marginal Pinheiros – sabe Deus como. E pronto, estava lá.
Encheu de cor a sala de espera vazia. E a surpreendeu com o abraço mais doce que ela provou naqueles cinco meses. Ficaram ali, lado a lado. Em silêncio. De mãos dadas.
Ela se sentiu protegida e confortada. E seu coração foi inundado por um sentimento que não precisava mais procurar por nome algum.
Ela encontrou a sua certeza.
O amor e o cachorro sobreviveram.
E, naquele dia, ele pagou a conta.
(Fabiane Secches)

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